quarta-feira, dezembro 03, 2008

Pseudo biografia

Desde que rasguei o ventre irrompendo a luz
desde que num sopro insólito, num espasmo
exorbito, expurguei d'um corpo o que era pus
desd'esse meu grito esdrúxulo, cheio de sarcasmo
que fez de um orgasmo o peso d'uma cruz

Vim a esse mundo apático, essa vida fátua
esse trilho esquálido, que não me conduz.

Vim a esse tempo estéril, essa casta sórdida
esse mundo torpe que não me contém
Vim como d'uma hecatombe, lasca exaurida
solta e perdida, num espaço aquém.
Vim como se fosse minha, essa vida pérfida
esse mundo fétido, e de mais ninguém.

Dizem que sou fruto (in)útil, resultado (in)válido
de um amor tão pálido, mero querer bem.

Dizem do fulgor que ilude, do amor sarcástico
da pouca atitude, da vida o desdém.

Sou a ordinária soma, o produto módico
a razão inversa da inequação
Sou do santo atributo, do pensar o erótico
no ato irresoluto sou contradição.

E como não bastasse o traço, esse exórdio crasso
nessas linhas vesgas dessa tradução
sou, entregue ao holocausto, vítima do claustro
nesse drama clássico, pura encenação.

Poema de tear

Entre-linhas emaranhadas
meias-linhas
meias-verdades
busco o próximo poema.

Talvez no humor de um pândego
de um sátiro...d'um Bocage
libertino e fanfarrão
Mas, falta-me a sutileza da linha
ou do desalinho satírico.

Talvez a agonia atroz...
a melancolia deprimida
tecida em versos crassos, a dor explícita
e visceral "dos Anjos"
me valesse nessa hora indecisa.

Ou quem sabe, num delírio rompante
ousasse contra tudo e contra todos
que me castram, num grito
d'um Castro libertário e sonhador
alinhavando versos livres.

Mas, teço enfim
à luz d'um Vinícius apaixonado
d'um Quintana apaixonante!

Teço versos des-alinhados...por vezes
mal arrematados...
e sempre costurados
tanto quanto ou talvez mais do que antes
de todo o amor em mim transbordante!

E faço dele (do amor), o de sempre e o de agora
o fio que tece minha vida!
Assim...
mesmo que...
apesar de...
não obstante!

Bendito Shakespeare que me faz assim...uma eterna Julieta!

Mal bem-dito

Malditas são todas as cartas de amor...palavras vãs
marcas amareladas, sentimentos guardados...
Malditas são todas as canções de amor...notas vazias
melodias adocicadas, lágrimas e lágrimas cantadas
Malditos são todos os poemas de amor...versos rasgados
carregados de palavras, melodias, lágrimas...e dor.

Malditas são as noites enluaradas...e também as madrugadas
em que os amantes se encontram...e fazem amor!
Malditos são os dias de chuva...e as manhãs ensolaradas
em que olhares se cruzam...bocas são silenciadas
e o peito quase explode...de amor.
Malditos são o mar e a lua...a brisa, o Sol e a maresia
que inspiram os poetas...e fazem nascer os poemas de amor!

Ah amor! Sentimento bendito!
(contrasenso maldito)
Que do tanto que é...faz-me amaldiçoar a vida
Tantas vezes por mim bendita!

Ah, amor! Bendita dor que me faz viva!

domingo, setembro 14, 2008


Sem fundamento

Sem fundamento

Não tem fundo
os olhos não alcançam
os pés não tocam
não tem
fundo

O corpo balança
as mãos suam
num grito um eco
alcança
suor goteja
o fundo

Som mudo...
não toca
o fundo

Olhos fechados
costas viradas
pro mundo
profundo

Pro fundo

A
F
U
N
D
O

me perco.

Não tem

FUNDO

Alquimia



Foto: Senioscopia

Alquimia

Frascos multicoloridos
esguios, bojudos, afunilados
finos cristais espelhados
ou vidros, nem sempre lapidados
confundem os olhos atentos
de quem desconhece os intentos
das mãos que ali prepararam
magias...mistérios...segredos.

Escondem-se em belos frascos
em cores tão sedutoras
resultados nem sempre acertados
de estudos, misturas, traçados
noites e dias a fio
de quem destila no trato
presente, futuro e passado.

As essências capturadas
nos frascos emolduradas
guardam grandes mistérios

Desvendá-los, eis a questão!

Deixar-se encantar pelo frasco
pode valer o fiasco
de perder-se tempo e razão.

De cada essência apreendida
nos frascos dessa nossa vida
o que vale mesmo é o que fica
pois, sabe-se da essência contida
só quando liberta do frasco
a alma se vê seduzida!